O caso Anneliese Michel

Por Pe. Gabriele Amorth – Exorcista

Traduzido livre

Fonte: Dom Gabriele Amorth

Introdução

Pretendo focar em detalhes sobre a situação do ministério de exorcismo na Alemanha, pois parece-me que existem fatos de interesse geral. Não foi possível que eu conhecesse nenhum exorcista alemão e eu não encontrei, por enquanto, nenhum sacerdote alemão que pudesse indicar-me um. Eu não encontrei nenhum padre alemão que pudesse me indicar um exorcista naquele país ou um bispo que fosse realmente sensível a este problema. 

Há razões históricas: o lutar contra as bruxas no mundo protestante era muito mais difícil do que no mundo católico, e por isso a reação que a loucura causava era mais forte. Há razões de doutrina: a forte influência dos teólogos e estudiosos da Bíblia que negam os exorcismos do Evangelho e a própria existência do diabo, os bispos que têm medo de serem conhecidos como  retrógrados ao demonstrar abertura a estas questões. Também os bispos que, por vezes, são de tão forte oposição a esta questão ou até mesmo recusam-se a discutir o assunto. Para piorar a situação foi agravada pelo caso de Anneliese Michel, que teve e ainda têm repercussões enormes, e que vale a pena ser sabido por nós, sobretudo nestes tempos. 

A situação da Alemanha também afeta países vizinhos, como por exemplo, na Suíça onde é impossível encontrar um exorcista, pelas mesmas razões que não encontramos na Alemanha.

O caso de Anneliese Michel

Simplificando, para aqueles nunca tinham ouvido falar: Anneliese era uma menina de 23 anos de idade que morreu em um período em que estava recebendo exorcismos. Seus pais e dois padres exorcistas foram acusados, sujeitos a processo penal e condenados. Eu acho que isso já é suficiente para desencorajar qualquer Bispo ou padre, que já acredita pouco ou quase nada na existência do demônio a não tem nenhum desejo de lidar com este ministério.

Inútil será dizer que a imprensa fez muito barulho sobre este caso, promovendo um julgamento público contra os pais e os exorcistas. Foram vários livros e numerosos artigos, em primeiro lugar em favor do julgamento da condenação. Só recentemente, depois de novas pesquisas, estudos têm aparecido pondo em dúvida ou simplesmente opondo-se ao tribunal da condenação. Quem quer aprofundar o caso não pode ignorar o grande estudo detalhado do Dr. Felicitas Goodman (não católico), os vários escritos da Dra. Elisabeth Becker sobre o ataque particularmente cruel no julgamento feito por um tribunal no norte da Alemanha e o Dr. Harald Grochtmann, o juiz do Tribunal Distrital de Rheda-Wiedenbruck. Confio principalmente sobre este estudo crítico, o que por sua vez é baseado no julgamento da sentença proferida pelo tribunal em Aschaffenburg, que também resume fatos.

Anneliese morreu em 1 de Julho de 1976 em Klingenberg (por isso sua história é muitas vezes chamada de “caso Klingenberg”), uma pequena cidade na Francônia, com a idade de 23 anos, quando ela era uma estudante universitária. Desde 1969 ela tinha sido tratada por um neurologista por causa de ataques noturnos. Ela também teve o tratamento generoso de sete outros médicos, sem nenhum tipo de benefício. Apenas em 04 de dezembro de 1973 registraram sinais leves no eletroencefalograma para epilepsia. No final de 1973 e início de 1974 começou a reclamar que via “seres assustadores e demônios” e sentia odores fedorentos, não percebidos por quem estava ao seu lado. 

No verão de 1973, Anneliese passou no exame de saída e em Outubro começou seus estudos em Teologia e Pedagogia. Em 08 de fevereiro de 1975 realizou uma aula-teste avaliada como “bom”. Mas outros fenômenos estranhos começaram a aparecer. Em Julho de 1975, um ano antes de morrer, ela começou a falar com uma voz alterada, que não era dela.

Seu amigo Peter Hansel, que a acompanhou de perto e foi interrogado longamente pelo tribunal como testemunha, declarou que Anneliese, católica praticante como toda a sua família, até o final de 1975 não poderia suportar a visão de imagens sacras. Na sua sala jogou fora uma garrafa de água benta e quebrou um rosário além de um crucifixo. Então veio a insônia, comportamento agressivo (contrário a sua personalidade), a incapacidade de participar na celebração da Santa Missa. Adquiria um peso que não podia ser movida por qualquer pessoa (então pesava 31 quilos); a oração de um padre era o suficiente para voltar ao normal. Ele acrescentou mais e mais outros fenômenos estranhos para pessoas, mas não para os exorcistas. O padre Hermann tomou conselho com um padre particularmente respeitado, Padre Hernst Alt. Estes são apenas alguns fatos estranhos, já que foram entregues duas cartas: uma à mãe de Anneliese e outra em 30 de setembro de 1974, quando sentiu-se compelida a escrever ao bispo de Würzburg, Bispo Joseph Stangl: “Eu não li essas duas cartas, mas de repente me senti tão mal que a qualquer momento eu poderia perder os sentidos. À noite, durante a missa da noite – lembrava a menina – ela ouviu uma batida e um forte cheiro de queimado, eles ainda estão atordoados. “ Depois de encontrar outros fenômenos estranhos, Padre Alt consultou-se com um especialista em possessão diabólica, o padre jesuíta Rodewyk Frankfurt e em seguida, escreveu ao Bispo sua convicção de que Anneliese foi realmente possuída pelo demônio. O Bispo, depois de madura reflexão e oração, nomeou como exorcista Padre Renz, altamente estimado pela classe Salvatoriana. Em  24 de setembro 1975 Padre Renz fez o primeiro exorcismo em Anneliese, na casa de seus pais em Klingenberg e em 01 de outubro, também começou a registrar os exorcismos, que já eram cerca de 67. A Mãe de Anneliese me enviou três dessas caixas: não precisa entender alemão, a fim de reconhecer, de forma clara, que as reações são típicas de possessão diabólica. Durante os períodos de menos ataques demoníacos, Anneliese podia ainda fazer seus exames  universitários. Nos últimos meses vida recusou-se a qualquer ajuda de médicos, tendo durante anos experimentado inutilidade absoluta deles e os pais não queriam lutar contra sua vontade, quando os médicos gostariam de submetê-la ao tratamento forçado: e esse foi o ato mais grave que o tribunal queria impor. 

Quando Anneliese morreu em 1 de Julho de 1976, foram indicadas a perda de peso maciça (pesava 31 quilos, sendo que se tivesse uma alimentação correta em poucos dias estaria nutrida corretamente); extraordinário esforço físico, inflamação pulmonar. 

O tribunal Aschaffenburg, em 21 de abril de 1978, condenou os pais de Anneliese, Padre Alt e Padre Renz a seis meses de prisão, com liberdade condicional. O julgamento diz na citação: “Como atenuante, em favor dos réus, que acreditam irrevogavelmente na existência do diabo, é concebível que no momento do acontecido, como resultado de suas crenças, em especial, também na possessão de Anneliese, eles foram muito limitados em sua capacidade de compreender a verdade. ” Mesmo esta afirmação é absurda. Um tribunal que pode condenar aqueles que acreditam na existência do diabo e de possessão demoníaca, afirmando que aqueles que têm essas crenças são semi-dementes, pronuncia um juízo sobre assuntos religiosos completamente fora de sua jurisdição e vai contra qualquer regra de direito. Um juiz deve aplicar os artigos da lei (neste caso, os artigos da lei penal) não escapar deles. Inútil será dizer que tal sentença foi reforçada por toda a imprensa como um triunfo do progresso moderno, um superar as superstições da Idade Média. E os clérigos alemães, por um longo tempo ao contrário da crença na existência do diabo e da possessão, estava feliz por juntar-se à alegria geral. Em outras nações, muitas informações equivocadas a respeito do caso foram noticiados pela imprensa, estavam convencidos de que a justiça triunfara.

Mesmo a experiência de exorcistas como Padre Cândido estiveram envolvidas, embora este admitiu não ter qualquer outra informação além das dos jornalistas. Também foram escritos vários livros, todos de uma maneira. Só recentemente as coisas começaram a mudar. E agora eu cito as observações do juiz Harald  Grochtmann, que estudou a sentença e fez uma constatação radical. Ele foi estudando o julgamento das frases, bem como os aspectos legais e não encontrou  qualquer referência ao código penal, para condenar as verdades de fé, contidas no Evangelho e ensinadas pela Igreja. Há lições e afirmações ideológicas e completamente alheias a lei estabelecida e em que o tribunal não tem jurisdição. Merecidamente outro advogado, conhecido advogado criminal em Frankfurt, Schidt-Leichner, veio a publico dizer que essa decisão não condena quatro réus, mas a Igreja Católica.

Aqui estão algumas afirmações incriminadoras no julgamento, e as observações do juiz Grochtmann:

1 – Os pais de Annelise demonstraram “a crença em milagres, que é contrário a todo senso de realidade “(?).

2 – Annelise havia declarado que Jesus tinha dito a Maria que ela estava sofrendo em expiação pelos pecados dos outros, para salvá-los. “Este conceito, de sofrer em expiação para outros, é ingênuo para os limites da obsessão religiosa e loucura “(?).

3 – Os tribunais comuns, quando confrontados com um evento que está além das leis naturais, não podem e não devem julgar a origem. Os tribunais não podem determinar se um fato é a obra de Deus ou o diabo. Sua experiência abrange apenas a avaliação dos fenômenos externos. A questão de se existe ou não o diabo, se existe ou não possessão demoníaca, se forem exorcismos legítimos ou não … são questões de fé, não questionáveis, e ainda menos

não devem ser resolvidos durante um julgamento criminal.

4 – Os juízes consideraram apenas os fatos que aconteceram de maneira natural e inexplicável com Anneliese para relacionar os mesmos fatos com outros casos de possessão bem documentados em que as pessoas depois se recuperaram após uma série de exorcismos.

A cura é um evento externo. Por exemplo, as curas de Lourdes e Fátima são eventos externos que não têm nenhuma explicação natural. Um tribunal não pode decidir sobre a questão da religião, daqueles que fizeram a cura, mas pode tomar conhecimento do fato em si. É verdade que existe uma diferença entre a cura radical (Confirmada por registros médicos) e de uma libertação, verificada apenas por testemunhos. Mas os fatos externos, inexplicáveis, é claro, existem em ambos os casos.

5 – Um evento externo que o tribunal teve de detectar é que os exorcismos são apenas orações e as orações não podem ser prejudiciais, quanto mais em casos especiais, como aliás, em casos de exorcismo. Orações curaram pessoas que usaram, sem sucesso, atendimento médico.

6 – Como proibir que um doente anti-jurídico vá a Lourdes, é igualmente

anti-jurídico acusar os pais de Anneliese por recorrer ao exorcismo. Isso é

contra os direitos humanos, em particular contra a liberdade de religião que até a Alemanha, como todos os estados livres, reconhece. O que os juízes tinham que fazer era ver se os quatro réus haviam tomado medidas como um crime condenado pelo código penal alemão.

Grochtmann finalmente conclui que a decisão do tribunal de Aschaffenburg é decididamente injusta e Anneliese não pode ser considerada culpada por suas escolhas, atendidas por quatro réus (seus pais e dois padres). Não pode ser considerada culpada por aceitar os exorcismos e recusar tratamento médico contra a sua vontade, depois de ter sido atormentada durante anos por tratamentos médicos totalmente inúteis ou prejudiciais e depois de constatar os fenômenos particulares que não têm explicação natural, mas que são sintomas típicos de possessão. Levantou-se a questão de eventuais falhas de médicos, de que em ao invés de concentrar-se firmemente no estudo cuidadoso do Professor Felicitas Goodman, que alega que a morte da menina foi por tratamento médico incorreto.

Leve-se em conta que os dois peritos nomeados pelo tribunal, além de não terem entendido nada sobre os fatos acontecidos nos exorcismos de Anneliese,  ignoraram que a história da Igreja está cheia de fatos em que exorcismos libertaram as pessoas. Inútil será dizer que estes fatos foram completamente ignorados pela imprensa, apenas pelo prazer de ser capaz de negar até mesmo os exorcismos do Evangelho e descobriram que, a juízo do tribunal, havia um outro argumento para não acreditar nem em demônios, nem possessões.

Uma das minhas opiniões pessoais depois de muito estudo é que o caso de Anneliese é um desses casos que o falecido padre beneditino Dom Pellegrino Ernetti , um exorcista italiano que por quarenta anos exerceu o ministério, descrevia como um “evento místico.” Eu segui a minha experiência como um exorcista, a de outros exorcistas e sei que tiveram casos como este.

Quando uma pessoa se oferece ao Senhor como vítima, ou se compromete a dar a vida em expiação pelos pecados do mundo, pode ser afetada por doenças ou possessões incuráveis. 

Então, não culpo os médicos por não ter conseguido nada (um pouco, como

os médicos que tentaram curar os estigmas do Padre Pio), e nem os exorcistas pelos seus esforços não terem sido bem sucedidos quanto a libertação da jovem. Em Anneliese Deus realizou seus planos que foram aceitos pela própria menina.

A análise do caso Anneliese

O caso Klingenberg teve e continua a ter grande influência, especialmente na Alemanha, mas não só na Alemanha, também sobre as pessoas e até mesmo o clero. Vemos o eco dessa influência na declaração que o Presidente da Conferência Episcopal Cardeal alemão Joseph Hoffner conferiu e foi publicada em 24 de abril de 1978, sobre o tema: “A Igreja e o diabo “. Em três páginas pequenas de texto, o caso Klingenberg foi citado cinco vezes.

No mesmo ano de 1978, a Conferência Episcopal Tedesca instalou uma comissão para investigar a possessão e o exorcismo. A comissão constituída por dois membros (Dr. Johannes Mischo e Padre Ulrich Niemann SJ), escreveu e em seguida enviou à Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, um estudo de 60 páginas que tinha como conclusão a abolição de todas as práticas eclesiásticas  para que se celebrassem exorcismos.

A professora universitária Elisabeth Becker, que havia realizado estudos aprofundados sobre o caso de Anneliese e outros casos de possessão, depois de ter visto uma cópia do texto preparado pela Comissão Episcopal Alemã, encontrou-a cheia de preconceitos e desprovido de seriedade. Nesse sentido, enviou uma crítica de 31 páginas ao então cardeal Ratzingher, que por sua vez enviou uma resposta muito personalizada, agradecendo a crítica textual, e garantindo que as opiniões expressas foram levados em consideração com muito cuidado.

Em conclusão, eu acho que nós entendemos muito claramente, porque na Alemanha não há exorcistas. Em resposta às muitas cartas que recebo da Alemanha, com o pedido de nomeação a Roma para receber exorcismos, indico para dirigirem-se aos grupos da Renovação Carismática, onde pelo menos você receberá orações de libertação.

Eu ajo da mesma forma com as cartas que recebo de outras nações. Eu também espero que se nos grupos de renovação, se por algum milagre, há algum Exorcista, sejamos comunicados e as pessoas que necessitam de exorcismos possam se dirigir a eles.

plugins premium WordPress