O primeiro Exorcismo do Padre Gabriele Amorth

Fonte: Livro “O último exorcista: minha batalha contra Satanás“, páginas 30-37.

O Antonianum é um grande conjunto de edifícios de Roma, situado na via Merulana, a pouca distância da Praça de São João de Latrão. Ali, em uma casa pouco acessível, fiz meu primeiro grande exorcismo. Foi no dia 21 de fevereiro de 1987. um frade franciscano de origem croata, o padre Maximiliano, pediu ajuda ao Padre Cândido para o caso de um camponês dos arredores de Roma que, segundo o seu parecer, precisava ser exorcizado. Padre Cândido lhe disse: “Não tenho tempo. Mandarei o padre Amorth”.

Entro sozinho no cômodo do Antonianum. Chego alguns minutos adiantado. Não sei o que me espera. Treinei bastante. Estudei tudo que havia para estudar. Mas a prática é outra coisa. Sabia pouco sobre a pessoa que devia exorcizar. Padre Cândido foi bem impreciso.

O primeiro a entrar no quarto é padre Maximiliano. Detrás dele, uma figura franzina. Um homem de 25 anos, magro. Percebe-se sua origem humilde. Vê-se que todos os dias faz um trabalho belíssimo mas muito duro. As mãos são ossudas e cheias de calos. Mãos que trabalham a terra. Antes que comece a lhe falar, entra uma terceira pessoa, inesperada.

“Quem é o senhor?” , pergunto.

“Sou o tradutor” , disse.

“O tradutor?”

Olho para o padre Maximiliano e peço-lhe explicações. Sei que admitir no quarto uma pessoa despreparada, enquanto se realiza o exorcismo, pode ser fatal. Satanás, durante o exorcismo, ataca os presentes despreparados.

Padre Maximiliano tranquiliza-me: “Não lhe disseram? Quando ele entra em transe, só fala inglês. Precisamos de um tradutor. Do contrário, não saberemos o que nos diz. É uma pessoa preparada. Sabe se comportar. Não cometerá imprudências”.

Coloco a estola, seguro o breviário e o crucifixo. Tenho, à mão, a água benta. Começo a recitar o exorcismo em latim.

“Não se lembre, Senhor, de nossas culpas ou das de nossos pais, e não nos castigueis por nossos pecados. Pai nosso…não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal.”

O possuído é uma estátua de sal. Não fala. Não reage. Permanece imóvel, sentado na cadeira de madeira em que mandei colocá-lo.

Recito o salmo 53.

“Pela honra de Vosso nome, salvai-e, meu Deus! Por Vosso poder, fazei-me justiça. Ó meu Deus, escutai minha oração, atendei às minhas palavras, pois homens soberbos insurgiram-se contra mim; homens violentos odeiam a minha vida: não têm Deus em sua presença…”

Ainda nenhuma reação. O camponês permanece permanece em silêncio, com o olhar fixo na terra.

“Mas eis que Deus vem em meu auxílio, o Senhor sustenta a minha vida. Fazei recair o mal em meus adversários e, segundo Vossa fidelidade, destruí-os. De bom grado oferecer-Vos-ei um sacrifício, cantarei a glória de Vosso nome, Senhor, porque é bom, pois me livrou de todas as tribulações, e pude ver meus inimigos derrotados. Glória ao Pai…”

“Salva teu servo aqui presente, Deus meu, porque ele espera em Vós. Sê para ele, Senhor, uma fortaleza. Diante do inimigo, que este nada possa contra ele. E o filho da iniquidade não possa prejudicá-lo. Manda, Senhor, a Tua ajuda do santo lugar que ocupas, porque és a defesa que vem de Sião. Senhor, ouve a minha oração. Que meu grito chegue até Vós. Que o Senhor esteja convosco. E com o teu espírito.”

É neste instante que o camponês, de repente, levanta a cabeça e me olha fixamente. Ao mesmo tempo, explode num grito de cólera e medo. Fica vermelho e começa a gritar blasfêmias em inglês. Permanece sentado. Parece que tem medo de mim. Mas, ao mesmo tempo, quer me aterrorizar.

“Padre, acaba com isso” Cala a boca! Cala a boca!”

E, a seguir, blasfêmias, palavrões e ameaças.

Acelero o ritual.

“Senhor Jesus Cristo, que condenaste o tirano apóstata ao fogo da Geena e que enviaste a este mundo o Teu próprio Filho Unigênito para derrotar esse ser que ruge: socorre rápido, apressa a Tua vinda para salvar o homem que Tu criaste à Tua imagem e semelhança, salvando-o da ruína e do demônio meridiano. Infunde, Senhor, Teu terror nesta besta que quer a destruição da Tua vinha. Concedes a Teus servos a confiança de poder combater de maneira fortíssima contra o terrível dragão, a fim de que este não despreze aqueles que esperam em Ti e não possa dizer o que disse o faraó a Moisés: ‘Não conheço teu Deus e não deixarei Israel livre para partir’. Que tua mão poderosa o obrigue a sair de teu servo, a fim de que não presuma o poder manter prisioneiro a quem Tu dignaste criar segundo a Tua imagem e redimiste por meio de Teu Filho. Ele, que contigo vive em união com o Espírito Santo, e reina por todos os séculos dos séculos.”

O possuído continua a urrar: “Calado! Calado! Fica calado!”

E cospe no chão e em mim. Está furioso. Parece um leão preparado para dar o grande salto. É evidente que sou sua presa.

Percebo que devo ir adiante. E chego ao Praecipio tibe – “Ordeno-te!”.

Lembro-me bem de tudo que me dissera o padre Cândido, quando me instruíra sobre os truques que devia usar: “Lembre sempre que o Praecipio tibi é geralmente a oração decisiva. Recorda que é a oração mais temida pelo demônio. Na verdade, creio que é a mais eficaz. Quando o jogo se complica, quando o demônio fica furioso e parece forte e inatacável, faça rapidamente uso dela. Com isso, ganhará força na batalha. Você verá o quanto é eficaz essa oração. Deve recitá-la com voz alta, com autoridade. Lance-a contra o possuído. Verá seus efeitos”.

“Ordeno-te, quem quer que sejas, espírito imundo, e a todos os seus cúmplices presentes neste servo de Deus, a fim de que, pelos mistérios da encarnação, paixão, morte, ressurreição e ascensão de Nosso Senhor Jesus Cristo; pela missão do Espírito Santo; pelo retorno de Nosso Senhor para o Dia do Juízo: dize-me o teu nome, o dia e a hora da tua saída deste corpo, mediante algum sinal; e te ordeno que me obedeças em tudo, a mim, ministro de Deus, ainda que indigno, e que não causes de nenhuma maneira dano a esta criatura de Deus, aos aqui presentes ou ao que lhes pertence.”

O possuído continua a urrar. Agora seu lamento é um uivo que parece vir das entranhas da terra. Insisto.

“Exorcizo-te, espírito imundíssimo, toda irrupção do inimigo, toda legião diabólica, em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ordeno-te: desprende-se e sai desta criatura de Deus.”

O uivo se faz cada vez mais forte. Parece infinito.

“Escuta bem e treme, oh Satanás, inimigo da fé, adversário dos homens, causa da morte, ladrão da vida, adversário da justiça, raiz de todos os males, sustento de todos os vícios, sedutor dos homens, enganador dos povos, incitador da inveja, origem da avareza, causa da discórdia, promotor dos sofrimentos.”

Os olhos viram para dentro. A cabeça pende sobre as costas da cadeira. O grito continua altíssimo e pavoroso. Padre Maximiliano o segura firme, enquanto o tradutor retrocede, apavorado diante dos movimentos. Faço-lhe um sinal para que se coloque um pouco mais para trás. Satanás esta se desencadeando.

“Por que ainda estás aí e resistes, mesmo sabendo que Cristo, o Senhor, destruiu os teus desígnios? Temes aquele que foi imolado na figura de Isaac. vendido na pessoa de José, morto na figura do cordeiro, crucificado como homem e, em seguida, triunfou sobre o Inferno. Sai em nome Pai, do Filho e do Espírito Santo.”

O demônio não parece ceder. Mas o seu grito agora fica mais fraco. Olha-me. Sai de sua boca um pouco de saliva. Acosso-o. Sei que devo obrigá-lo a se revelar, a dize seu nome. Se me diz seu nome, este é um sinal de que está quase derrotado. Ao se revelar, na verdade obrigo-o a jogar com as cartas sobre a mesa.

“E agora, espírito imundo, dize-me: quem és? Fala teu nome! Em nome de Jesus Cristo, fala o teu nome!”

É a primeira vez que faço um grande exorcismo; e, portando, é a primeira vez que peço a um demônio que me revele o seu nome.

Sua resposta me congela.

“I´m Lucifer”, diz com voz baixa e soletrando lentamente cada sílaba. “Sou Lúcifer.”

Não devo ceder. Não devo render-me agora. Não devo mostrar-me aterrorizado. Devo continuar o exorcismo com autoridade. Sou eu quem dirige o jogo. Não ele.

“Ordeno-te, antiga serpente, em nome do juiz dos vivos e dos mortos, de teu Criador, do Criador do mundo, daquele que tem o poder de precipitar-te na Geena, que partas de imediato, com temor e junto com todo o teu exército furioso, deste servo de Deus que pediu socorro à Igreja. Lúcifer, ordeno-te de novo, não pela minha debilidade, mas pela força do Espírito Santo, que saias deste servo de Deus, que Ele criou à Sua imagem e semelhança. Cede, pois, cede não ante mim, mas ante o ministro de Cristo. Ordena-te o poder daquele que te submeteu com sua cruz. Treme diante da força de quem, vencidos os sofrimentos infernais, reconduziu as almas à luz.”

O possuído voltou a uivar. A cabeça novamente jogada às costas da cadeira. Seu dorso se curva. Já passou mais de uma hora. Padre Cândido sempre me disse: “Enquanto tiver força e energia, continue. Nunca se deve ceder. Um exorcismo pode durar até um dia inteiro. Pare apenas quando perceber que seu corpo não suporta mais.”

Volto a pensar em todas as palavras que padre Cândido me disse. Desejo que estivesse ao meu lado. Mas não está. Devo proceder sozinho.

“Que o terror te chegue pelo corpo do homem; e o medo, pela imagem de Deus. Não podes resistir nem demorar em sair desta pessoa, depois de haver Cristo desejado habitar num corpo humano. E para que tu não me consideres digno de desprezo, pelo fato de saber que sou um grande pecador, é Deus quem te ordena. A majestade de Cristo te ordena. Deus Pai te ordena. Deus Filho te ordena. Deus Espírito Santo te ordena. O mistério da cruz te ordena.”

Não imaginava, antes de iniciar o ritual, o que poderia acontecer. Mas tenho, de súbito, a clara sensação da presença demoníaca diante de mim. Sinto este demônio que me olha fixamente. Observa-me. Dá voltas ao meu redor. O ar esfriou. Faz um frio tremendo. Padre Cândido havia me alertado sobre essas mudanças de temperatura. Mas uma coisa é ouvir falar de certos fatos; e outra, prova-los na prática. Procuro me concentrar. Fecho os olhos e, de memória, sigo com a oração.

“Sai, então, rebelde. Sai, sedutor, cheio de fraude e falsidade, inimigo da virtude, perseguidor dos inocentes. Deixa lugar para Cristo, em quem não existe nenhuma de tuas obras: Ele te impediu e destruiu teu reino, encarcerou-te, venceu e destruiu todos os teus ardis; lançou-te às trevas impenetráveis, as que estão reservadas a ti e a teus seguidores no Juízo. Por que resistes com arrogância? Por que te negas a sair? És réu diante do Deus onipotente, de quem transgredistes as ordens. És culpado diante de seu Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, o qual ousastes tentar e presumistes ter crucificado. És culpado diante da humanidade, à qual servistes o veneno mortal, convencendo-a a fazer o mal.”

Nesse momento ocorre um fato inesperado. Um fato que nunca se repetirá no curso da minha longa carreira de exorcista.

O possuído se transforma em algo semelhante a um pedaço de madeira. As pernas esticadas à frente. A cabeça jogada para trás.

E  começa a levitar.

Levanta-se, o corpo reto na horizontal, meio metro acima da cadeira. Aí permanece imóvel, suspenso no ar por vários minutos. Padre Maximiliano retrocede. Eu fico em meu posto. Com o crucifixo bem apertado na mão direita. O ritual na outra. Lembro-me da estola. Seguro-a e deixo que uma parte dela toque o corpo do possuído. Este, entretanto, permanece imóvel. Rígido. Calado. Dou outro golpe.

“Sai deste homem! Não podes resistir mais. É difícil revoltar-te contra o aguilhão. Pois, quanto mais demoras para ir, mais aumenta o teu suplício eterno, pois não desprezas os homens, mas Aquele que domina vivos e mortos; Aquele que domina vivos e mortos; Aquele que virá para julgar vivos e mortos e o tempo por meio do fogo. Sai, ímpio. Sai, perverso. Sai com toda a tua decepção. Porque Deus quer que o homem seja o Seu templo. Então, por que ainda insistes em ficar aqui?

Dá glória a Deus Pai Onipotente, diante do qual todos os joelhos se dobram. Deixa o lugar para Nosso Senhor Jesus Cristo, que, para a salvação do homem, derramou seu sangue sacratíssimo. Deixa entrar o Espírito Santo, que , por meio do bem-aventurado apóstolo Pedro, te abateu claramente na pessoa de Simão, o mago; que condenou tua mentira nos esposos Ananias e Safira; que te matou na pessoa do rei Herodes, que se recusara a honrar a Deus. Ele te atirou na perdição por meio do apóstolo Paulo, tornando cego o mago Élimas; por meio desse mesmo apóstolo, obrigou-te a sair da Pitonisa, ordenando-te com sua palavra. Por isso, vai agora, parte, enganador. Tua casa é  o deserto; tua morada é a serpente – humilha-te e prostra-te. Não tens mais qualquer tempo. Eis que pronto se aproxima o Senhor dominador: diante Dele arde o fogo, precede-O e queima tudo ao  redor de seus inimigos. Ainda que possas enganar os homens, não podes zombar de Deus. Quem te lança fora é Ele, diante de cujos olhos nada pode se esconder. Ele te expulsa, Ele que preparou para ti e teus anjos o fogo eterno. Da Sua boca sai uma espada afiada: Ele, que virá a julgar vivos e mortos e o tempo por meio do fogo. Amém.”

Uma queda acompanha o meu “Amém”. O possuído relaxa sobre a  cadeira. Balbucia palavras que tenho dificuldade de compreender.

Depois, diz em inglês: “Sairei no dia 21 de junho, às 15 horas. Sairei no dia 21 de junho, às 15 horas”.

Ele me olha. Agora seus olhos não são mais que os de um pobre camponês. Estão cheios de lágrimas. Percebo que voltou a si. Abraço-o e digo: “Isto acabará rápido”.

Decido repetir o exorcismo semanalmente.

Nota da redação: o testemunho acima é de um exorcismo real, realizado pelo saudoso Padre Gabriele Amorth, no ano de 1987.

 

 

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