A luta espiritual do verdadeiro cristão

A luta espiritual dos filhos Deus (Ef 6, 10-20), será uma luta para se provar o seu amor a Deus, para os purificar e fortalecer, será uma luta para se decidir entre o Reino de Deus e o reino de Satanás. Por meio do batismo, onde fomos sepultados com Cristo em sua morte e ressuscitados para a Vida Eterna com Ele também (2Cor 5,17), recebemos a graça santificante, graça essa, que nos une a Deus, nos faz retornar para sua amizade, para “a natureza divina” (2Pd 1, 4), uma vida de íntima comunhão e amor para com Ele que tem o desejo de salvar a todos por meio da sua verdade. Sendo assim, mesmo mediante os nossos pecados cometidos por livre vontade, Deus não nos desampara, sempre nos comunica a sua vontade de salvação, e segundo o Catecismo da Igreja Católica, “a graça é uma participação na vida divina (2Pd 1, 4…); introduz-nos na intimidade da vida trinitária. Pelo Batismo, o cristão tem parte na graça de Cristo, cabeça da Igreja. Como filho adotivo, pode doravante chamar a Deus de Pai, em união com o Filho Único. Recebe a vida do Espírito, que nele infunde a caridade e forma a Igreja” (CIgC, n. 1997). 

  • “O demônio e seu agir”.

Tudo o Senhor faz para que sejamos salvos mediante a sua graça, nos cabe então, a fidelidade, correspondermos à sua graça, ao seu chamado de salvação; justamente aqui, onde entra a ação do demônio, ao contemplar o agir de Deus na vida do homem, o tenta com suas armas para dissuadi-lo, tentando levá-lo para a inimizade de Deus, o pecado, pois “sede sóbrios e vigilantes. O vosso adversário, o diabo, rodeia como um leão a rugir, procurando a quem devorar. Resisti-lhe firmes na fé” (1Pd 5, 8-9a) . 

O grande desejo do demônio é levar o homem para a perdição eterna, que experimente do mesmo caminho dele, de desobediência e condenação; suas artimanhas por meio da tentação são poderosas, seu trabalho é incansável, ronda o homem a todo momento, seja o homem como for, de boa ou má intenção, ele esta lá para perdê-lo: “Não pequeis. Que o sol não se ponha sobre o vosso ressentimento. Não vos exponhais ao diabo” (Ef 4, 26-27). Porém, naquele verdadeiro cristão, a luta aumentará um grau a mais, pois, o demônio sabe para aonde caminha aqueles que se decidem pelo céu. Este não pode baixar a guarda, não pode dizer: “já lutei o bastante, até aqui está ótimo”. Errado! A luta, o combate, não se encerra porque eu rezei apenas um Rosário ou me confessei, ela durará pelo tempo necessário da nossa migração nesta terra, neste vale de lágrimas (1Pd 2,9-11).

“O agir das forças das trevas no interior da vida do homem pode ocorrer em um nível duplo: com uma ação ordinária, tentando o homem para o mal, e o próprio Jesus aceitou ser tentado, e com uma ação extraordinária, agindo de modo mais forte e direto sobre a pessoa” (De Cura Obssessis, pgs. 73-74), a esta afirmação, conclui-se que, a luta é incessante, inevitável, completamente também necessária para a santidade do cristão, para seu crescimento espiritual e de união com Deus. 

O cristão tem de criar a consciência que, o seu inimigo primeiro é a si mesmo, 

“o segundo inimigo exterior com que temos de lutar, em confronto direto, é o demônio… Segundo o Doutor Angélico, o ofício do demônio é tentar. Porém, adiciona em seguida que nem todas as tentações que o homem sofre procedem do demônio; existem as que se originam da própria concupiscência, como diz o apóstolo São Tiago: ‘Cada qual é tentado por sua própria concupiscência, que o arrasta e seduz’ (Tg 1, 14). Contudo, é certo que muitas tentações procedem do demônio, levado pela sua inveja contra o homem e pela sua soberba contra Deus” (Fenômenos Preternaturais, Sobre as ações dos anjos e dos demônios, pgs. 46-47). 

Aqui requer o cuidado do cristão, quais armas se deve ter para lutar, o que fazer para vencer a si mesmo, para vencer o demônio em seus assaltos? Quantas são as perguntas, os questionamentos em torno de tais situações, e a resposta se torna clara: viver as virtudes segundo o Espírito, frequentar os sacramentos, ter uma vida entregue a Jesus e sua Mãe Santíssima, se lançar para a obra redentora de Jesus, unir-se ao amor de Deus, viver com radicalidade as promessas de seu batismo, esforçar-se na fé, na esperança e na caridade, porque afinal, “a caridade cobre uma multidão de pecados” (1Pd 4, 8). 

A luta espiritual do verdadeiro cristão acontece a partir do momento que este já está decidido por uma vida de conversão autêntica, onde este experimenta amargamente seu passado de pecado, suas lembranças trazidas à mente muitas vezes pela tentação do inimigo, quando procura, na espreita, levar ao seu coração a mentira de que, não prestamos e somos incapazes de sermos santos, de sermos verdadeiramente o que Deus deseja que sejamos, ele se interpõe entre a obra de Deus e nós, tentando nos arrastar, ludibriar segundo o seu costume nefasto de ser sorrateiro, sendo assim: “vigiai e orai para que não entreis em tentação. O espírito está pronto, mas a carne é fraca” (Mt 26, 41).

  • “O cristão e a atualidade”.

Na atualidade, a qual vivemos, ser cristão está sendo a coisa mais desafiadora da existência humana, pois, num mundo tão pluralista como este, a maior tentação que passamos, é deixar de crer que Deus tem projetos contrários ao que se constrói na sociedade relativista, onde ser de Deus, o Deus que Jesus nos revelou, nos mostrou em si mesmo, pode ser uma opção segundo o beneplácito corrompido de cada um. O fenômeno: “você pode ser o que você quiser, pode acreditar no que você quiser”, está levando o ser humano para longe da sua identidade, da sua essência em Deus, o homem tem se afastado de Deus, e automaticamente de si mesmo, tem se abandonado, deixado de lado o brilho da sua imagem e semelhança, e sem perceber, o autor de tudo isso, é o próprio demônio, pois, suas narrativas, são muito mais bem elaboradas do que qualquer outra presente na humanidade. 

“Por vontade de Deus, o homem não pode ser tentado além das próprias forças, portanto, pode vencer a tentação se não perder a constante referência a Jesus, logo, a obediência a Deus. O inimigo opera sua tentação no nível da vontade e do livre-arbítrio com as armas da sedução, do medo, da confusão, da desordem, da mentira. Busca colocar em dúvida o amor de Deus e seu desejo de ajudar o homem a realizar a própria vida e a própria liberdade” (De Cura Obsessis, p. 74). 

O demônio tem agido da forma mais cruel na vida do ser humano, tirando seus olhos de Deus, o perdendo de vista, tirando diante de seus olhos a eternidade, e o verdadeiro cristão no meio dessa confusão é chamado a permanecer na aliança que tem com seu Senhor (1Pd, 3, 20-21), permanecer no seu compromisso diário, buscando com veracidade a santidade, esforçando na vontade, a exercitando, direcionando-a para o vedadeiro Senhor, pois Ele é o “Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14, 6). 

“Por isso o homem está dividido em si mesmo. Por esta razão, toda a vida humana, individual e coletiva, apresenta-se como uma luta darmática entre o bem e o mal, entre a luz e as trevas. Bem mais ainda. O homem se encontra inacapaz, por si mesmo, de debelar eficazmente os ataques do mal; e assim, cada um se sente como que carregado de cadeias. Mas o próprio Senhor veio para libertar e confrontar o homem, renovando-o interiormente. Expulsou o <<princípe deste mundo>>(Jo 12, 31) que retinha o homem na escravidão do pecado. O pecado porém diminuiu o próprio homem, impedindo-o de conseguir a plenitude. 

À luz desta Revelação, a vocação sublime e ao mesmo tempo a profunda miséria que os homens sentem, encontram a sua razão última” (Compêndio Vaticano II, da Constituição Pastoral Gaudium et Spes, n. 240-241).   

Ele tem o desejo de plenificar o ser humano, de ressuscitá-lo, de levá-lo para a plena luz, seu sacrifício na cruz foi para isto, nos tirar da tirania de Satanás, das trevas do erro, do pecado, e o cristão vivendo com fidelidade esta verdade de fé, encontrará no entardecer de sua vida, a Bem-aventurada visão de seu Criador, “a visão beatífica, na qual Deus se revelará de maneira inesgotável aos eleitos, será a fonte inexaurível de felicidade, de paz e de comunhão mútua” (CIgC, n. 1045). Enquanto Deus quer ser o fim último das suas criaturas, o demônio também tem sua finalidade, e por isso, por meio de sua artimanha: 

 “o fim último da tentação demoníaca é a danação do pecador, enquanto a finalidade de Deus, quando coloca alguém à prova, é fazer merecer a vida eterna: ‘E um dos anciãos falou comigo, perguntando: Estes, que estão vestidos com túnicas brancas, quem são e de onde vieram? Eu respondi: Tu bem sabes, meu senhor. E ele me disse: Estes são os que vieram da grande tribulação. Lavaram e alvejaram suas túnicas no sangue do Cordeiro’ (Ap 7, 13-14) (Diretrizes Para o Ministério do Exorcismo À Luz do Ritual Vigente, p. 54).         

Portanto, a luta espiritual do verdadeiro cristão, não será para permanecer neste mundo, mas para aquele que em Deus será renovado, onde se esperará no céu, junto dos santos eleitos que aguardam ansiosos por essa renovação na segunda vinda de Jesus, quando a Ressurreição acontecer, e assim, viveremos eternamente como Deus pensa para cada ser humano, no louvor eterno, na adoração perpétua de sua majestade infinita (Apocalipse 21). 

Artigo do Pe. Miguel, Mestre de Noviços dos Salvistas.

 

Bibliografias:

Alexandre, Pe. Pedro Paulo. Fenômenos Preternaturais/ Sobre as ações dos anjos e dos demônios. Florianópolis-SC: Editora Catholica Veritas-Copyright, 2 edição, Novembro de 2020. 

Associação Internacional dos Exorcistas- Secretaria Linguística Portuguesa / Diretrizes para o Minitério do Exorcismo à Luz do Ritual Vigente. Brasília: Edições CNBB, 2022.

Carlin, Paolo. De cura Obssessis: reconhecer os casos de possessão diabólica, e intervir e acompanhar as pessoas com problemas espirituais. São Paulo: Edições Fons Sapientiae, 1 ed, 2021. 

Catecismo da Igreja Católica. São Paulo: Edição Típica Vaticana, Loyola, 2000.

Constituição Pastoral Gaudium et Spes. Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II. Petrópolis: Editora Vozes, 2000.

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