A nossa alma é um castelo

Foi no dia da Santíssima Trindade, em 1577, no Mosteiro de S. José do Carmo, que Teresa começou a escrever o “Livro Interior” ou “Castelo das Moradas”, a mando de seu diretor espiritual. O padre lhe pedira que começasse a escrever para sanar as dúvidas a cerca da oração de suas companheiras freiras. Julgava ser conveniente que uma mulher escrevesse sobre isso, pois “lhe parecia que melhor entendem as mulheres a linguagem umas das outras”. (Cf. Castelo das Moradas, nº 1).

Já no início deste livro, que tornou-se um tratado, Santa Teresa deixa bem claro que não seria uma tarefa das mais fáceis:

“Poucas coisas, das que me tem mandado a obediência, se tornaram tão dificultosas para mim como escrever agora coisas de oração; primeiro, porque me parece que o Senhor não me dá nem espírito nem desejo para o fazer; depois, por ter a cabeça, há três meses, com um zumbido e fraqueza tão grande, que, até sobre negócios urgentes, escrevo a custo. Mas, entendendo que a força da obediência costuma facilitar coisas que parecem impossíveis, a vontade determina-se a fazê-lo de muito bom grado, ainda que a natureza se aflija muito; porque o Senhor não me deu tanta virtude, para que o pelejar com a enfermidade contínua e com muitas e variadas ocupações se possa fazer sem grande contradição sua. Faça-o Ele, que tem feito outras coisas mais dificultosas para me fazer mercê, e em cuja misericórdia confio”. Castelo das Moradas, nº 1.

Com Santa Teresa de Jesus, entendemos bem o significado e os frutos da obediência. Do fragmento acima, extraímos o seu testemunho de amor a Jesus na pessoa do sacerdote, pois mesmo não querendo escrever e sofrendo com “um zumbido e fraqueza tão grande”, ainda assim obedeceu, confiando na misericórdia do Senhor.

Teresa era um religiosa modesta e humilde. Sempre procurava deixar bem claro o quanto nada tinha a dizer, senão fosse pelo entendimento e habilidade que o Senhor lhe concedera. Mas entende ser importante que suas palavras trouxessem orientação e alívio para suas coirmãs de clausura, mal sabendo que seus escritos percorreriam os séculos, transformando-a numa doutora da Igreja.

Não é fácil escrever para tocar o coração do ser humano. E tocar o seu espírito talvez seja um dom que possamos chamar de sobrenatural. Foi assim que Nosso Senhor Jesus Cristo inspirou Teresa a escrever e Dele ela aprendeu, comparando a nossa alma a um castelo, cravejado de diamantes:

“[…]É considerar a nossa alma como um castelo todo ele de um diamante ou mui claro cristal, onde há muitos aposentos, assim como no Céu há muitas moradas”.
Cf. Castelo das Moradas, Primeira morada, nº 01.

A metáfora não poderia ser mais clara: dentro da nossa alma “há muitos aposentos” e não podemos permitir que eles se tornem ocupados com as manchas do nosso pecado. Assim, cada dia, estaremos construindo a nossa morada no céu, onde como nos deixa claro a nossa santinha, “há muitas moradas”.

Devemos deixar a nossa alma sempre preparada. Ela será sempre visitada pelo nosso Rei, salvador e redentor Jesus Cristo:

“Que se bem o considerarmos, […]não é outra coisa a alma do justo, senão um paraíso onde Ele disse ter Suas delícias. Pois, não é isso que vos parece que será o aposento onde um Rei tão poderoso, tão sábio, tão puro, tão cheio de todos os bens se deleita?”

É tempo de encontrar a paz interior. O mar está agitado, revolto. Basta olhar ao nosso redor para perceber o que está acontecendo com a Pandemia do Sars-Cov-2. Mas não é possível descuidarmos do nosso interior. Temos que vislumbrar o Paraíso:

“Nós, porém, somos cidadãos dos céus. É de lá que ansiosamente esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo…” Cf. Fl 3, 20.

A alma é formosa e possui uma grande capacidade. Talvez ainda não tenhamos compreendido bem o que isto quer dizer, porque não recordamos o que Deus nos disse, que “nos criou à Sua imagem e semelhança”. Por isso, devemos nos debruçar sobre a beleza e o valor da alma, pois cada uma delas é de um valor sagrado imensurável:

“[…]não há razão para nos cansarmos a querer compreender a formosura deste castelo; porque, ainda que haja diferença dele a Deus como do Criador à criatura, pois é criatura, basta dizer Sua Majestade que a alma é feita à Sua imagem, para que possamos entender a grande dignidade e formosura da alma”. Cf. Castelo das Moradas, Primeira morada, nº 01, linhas 13 a 17.

Hoje, mais do que nunca, somos chamados a voltar o coração para Deus, voltar a frequentar os sacramentos – se deles nos afastamos – e buscar o entendimento da verdade, a paz do Espírito Santo através da oração, para cultivar a formosura da nossa alma e que ao longo da nossa dura peregrinação nessa terra, possamos entregá-la com pureza no dia do nosso juízo.

É preciso nos conhecer, saber do que somos capazes:

“Não é pequena lástima e confusão que, por nossa culpa, não nos entendamos a nós mesmos, nem saibamos quem somos. Não seria grande ignorância, minhas filhas, que perguntassem a alguém quem era e não se conhecesse, nem soubesse quem foi seu pai, nem sua mãe, nem sua terra? Pois, se isto seria grande estupidez, sem comparação é maior a que há em nós quando não procuramos saber que coisa somos e só nos detemos nestes corpos; e assim, só a vulto sabemos que temos alma, porque o ouvimos e porque no-lo diz a fé”. Cf. Castelo das Moradas, Primeira morada, nº 01, linhas 1 a 7.

O caminho da alma é em direção a sua morada eterna: junto à Deus Pai, no céu. Mas não é um caminho menos tortuoso e ainda que o solo esteja arenoso, sabemos que trata-se apenas de um caminho de peregrinação.

O nosso lugar é o céu e devemos cultivar o carinho e o zelo para com a nossa alma, a fim de que façamos por merecê-lo.

Deus nos abençoe.

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