O exorcismo em Cafarnaum

“Maravilhavam-se da sua doutrina, porque os ensinava como quem tem autoridade e não como os escribas. Ora, na sinagoga deles achava-se um homem possesso de um espírito imundo, que gritou: “Que tens tu conosco, Jesus de Nazaré? Vieste perder-nos? Sei quem és: o Santo de Deus!”. Mas Jesus intimou-o, dizendo: “Cala-te, sai deste homem!”. O espírito imundo agitou-o violentamente e, dando um grande grito, saiu. Ficaram todos tão admirados, que perguntavam uns aos outros: “Que é isto? Eis um ensinamento novo, e feito com autoridade; além disso, ele manda até nos espíritos imundos e lhe obedecem!”. A sua fama divulgou-se logo por todos os arredores da Galileia.” [1]

 

A primeira metade do evangelho de Marcos enfoca a atividade de Jesus na Galileia e arredores. [2] Salienta-se que Jesus inicia sua pregação na Galileia, após a prisão de João Batista. O Senhor inicia sua pregação com um chamado para que todos “façam penitência e creiam no evangelho”, o que, por si só, já é o prenúncio da ruína de reino de Satanás em nosso mundo.

A autoridade com que Jesus prega o Reino de Deus é notada por todos. Suas palavras são cheias de autoridade e formam a base de uma doutrina que é reconhecida por todos como algo novo, diferente, sem comparação com a que os escribas ensinavam, sem credibilidade ou base moral.

Surpreendentemente, a intervenção do demônio, diante dos olhos de todos, causa grande temor e o diabo acaba por reconhecer Jesus como “Santo de Deus”. Por si só, não era intenção do demônio fazer isso, mas o poder da palavra de Jesus o desmascarou, restando-lhe apenas revelar diante de todos a verdadeira identidade de Jesus. O Senhor não permitiu ao diabo revelar sua identidade, pois “ainda não tinha chegado a sua hora” e lhe impôs o silêncio. Intimou o espírito imundo a sair do corpo do homem possuído, mas este não o fez sem antes agitá-lo com violência e dar um grande grito para deixá-lo. Nessa passagem, vemos uma característica muito particular presente no evangelho de Marcos e que muitos teólogos chamam de “segredo messiânico”. Trata-se da imposição de Jesus a que tanto os demônios quanto as pessoas guardem silêncio sobre a sua ação ou identidade.

O exorcismo em Cafarnaum é uma das fontes para a organização da ação exorcística da Igreja. Mais tarde, ao regular a prática dos exorcismos, a Igreja convencionou não dialogar com os demônios e impor-lhes silêncio durante o ritual litúrgico para sua expulsão, dando ouvidos apenas ao que fosse relevante para o processo de libertação do possuído.

Interessante notar que Cafarnaum é tratada como “a cidade de Jesus”, onde Este habitava. [3] O evangelho de Marcos até o capítulo 16, mostra a intensa atividade de Jesus na Galileia, mas Cafarnaum torna-se o seu local de referência, onde o Senhor ensinava frequentemente. [4] Logo, é de se esperar que confrontos públicos com o demônio acontecessem, pois a atividade apostólica de Jesus o exigiria: anunciava a palavra, curava os doentes e, por consequência, expulsava os demônios.

A expulsão dos demônios narrada no evangelho de Marcos mostra dois aspectos importantes: a presença do Senhor e o anúncio que Este faz do evangelho de Deus, da santa palavra. Tudo isto, provoca a manifestação dos demônios. Ensinar com autoridade, desmascara a presença demoníaca, que diante da verdade não consegue manter-se oculta.

A admiração das pessoas chama a atenção por um detalhe peculiar: é possível notar que as pessoas que ouviam Jesus na sinagoga não se espantaram com a presença do possesso, mas com a autoridade com que Jesus expulsou os demônios deste. Isso permite deduzir que era comum a presença de possuídos naquele tempo e que as pessoas eram habituadas a encontrá-los em meio à sociedade. Traçando um paralelo com os dias de hoje, onde não se crê em nada, tampouco na existência do demônio, a fé dos tempos de Jesus não excluía a possibilidade de que o mal pudesse agir em meio ao povo, coisa que vemos insistentemente acontecer nos dias de atuais.

O exorcismo em Cafarnaum também guarda um marco simbólico a respeito da atividade exorcística de Jesus: o anúncio do Reino de Deus com autoridade, ensinando a santa palavra, converte os corações e liberta da ofensiva diabólica. O demônio sente-se confrontado com o ensinamento de Jesus e questiona-o a respeito da destruição do seu plano de perdição. Jesus não lhe dá ouvidos, ordena que se cale e deixe aquele pobre homem, que sofria em suas garras.

Para todos nós, que somos o povo de Deus, resta-nos aprender com Jesus a não dar ouvidos aos intentos diabólicos, ordenando pelo Deus vivo que em nossa vida, estes se calem!

Santa Maria das Graças: rogai por nós.

 

Referências

[1] Cf. Mc 1, 21-28

[2] Novo comentário bíblico: São Jerônimo, Novo testamento e artigos sistemáticos, O evangelho de Marcos p.66

[3] Cf. Mt 9, 1.

[4] Cf. Jo 6, 24-71.

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